Os 13 Porquês, Jay Asher




Passei muito tempo tentando comprar esse livro, fosse em inglês ou em português. Admito que ainda não consegui porque quando o preço abaixa, eles somem muito rápido. Acabei lendo em pdf mesmo, mas comprarei com certeza. Não gosto muito de ler em pdf por conta da quantidade massiva de erros de digitação, tradução e falhas na revisão, então, se esse é o preço a pagar por uma boa revisão, pagarei com prazer. Enfim... o livro chama muito a atenção quando você lê a sinopse. Uma garota decide se matar e monta 13 fitas para enviar às pessoas que a levaram a isso. Parece pesado. Bom... nem tanto.

Gostei muito do livro, muito mesmo. Mas isso aqui será um texto de broncas, além da resenha, então peço licença para contar detalhes importantes da história. Se você não deseja saber sobre a história, pare por aqui. Apenas vá em frente e compre o livro, de verdade. Peço desculpas pela extensão do texto, mas continuem comigo!

VEM SPOILER AÍ!

Suicídio é sempre um tema controverso. É coragem? É fraqueza? É pecado? Primeiro, vamos tirar os elementos religiosos da questão. Não quero falar sobre os aspectos universais do suicídio, apenas sobre o dessa personagem, Hannah Baker, em especial. No caso dela, tudo leva a entender que foi uma sensação de impotência em relação à própria vida e ao que os eventos desencadeiam. Ela começa falando sobre o efeito borboleta/bola de neve, e segue nessa linha de pensamento até o final. O livro conta alguns detalhes que marcaram a vida da garota e evidenciaram essa impotência.

O que você faz quando alguém diz ou faz algo que te incomoda? Que afeta sua vida negativamente? Que leva os outros a tomarem ainda mais atitudes que te incomodam? Muitos ficam quietos, outros rebatem. Quando Hannah chegou no novo colégio, viu a experiência como uma oportunidade para um recomeço. Ou seja, essa já era a segunda chance dela. Já tinha experiências negativas prévias em outro lugar e já estava em um período de escape. Através de uma série de artimanhas, chama a atenção do garoto por quem se interessa e começam a namorar. O problema é que esse garoto, Justin, começa a espalhar boatos falsos a seu respeito e seus problemas com os outros começam.

Falando bem a verdade: TODOS os episódios mencionados são baseados em machismo. Por isso, realmente me incomoda quando alguém lê o começo do livro e fala “nossa, quanto mimimi, isso não é motivo pra se matar”. Hm, tem certeza que quer menosprezar o sofrimento de alguém dessa maneira? Certeza mesmo?

Tudo começa com um boato mentiroso de cunho sexual sobre Hannah, onde o cara sai como o herói da história e ela como a “puta”. Resultados diferentes para a mesma situação apenas baseado no gênero do envolvido e eu nem vou entrar na questão de rotular alguém como "puta" e o que diabos isso significado. A partir do abuso psicológico feito por ele e outros, todos passam a acreditar que possuem algum direito sobre a mente de Hannah e sobre o corpo dela. Passamos por uma votação em folhas de papel na escola, sobre a melhor bunda da turma, que reforçou todo o problema pra Hannah e ainda causou uma briga entre ela e uma amiga, Jessica. Isso levou a um comentário infeliz de um desconhecido para um funcionário da doceria favorita de Hannah e um tapa na bunda dela. É tão difícil assim notar o absurdo disso?

Um tapa na bunda de uma desconhecida? Você faz isso no seu dia a dia? Certamente espero que não. Mas alguns seres humanos em formação fazem isso simplesmente por uma votação ou por um boato sobre a vida sexual de uma garota, independente da escolha dela. É claro que isso é machismo, em primeiro lugar porque um boato desse em relação a um cara não existiria, e em segundo porque cria uma falsa noção de que se ela concordou que um cara tivesse algum tipo de proximidade física com ela, significa que gostaria e quer que todos os caras do mundo a toquem, logo, posso fazer isso sem a autorização dela. Isso é ignorar a vontade dela, a permissão dela. Hannah só ganhou um tapa na bunda de um completo desconhecido. Nossa, que frescura né? Você acaba de ser apresentado ao assédio sexual.

Quem recebe o pacote e conta a história do livro é Clay, o único que está lá apenas para conhecer a história e não por ser um dos motivos. Clay gostava de Hannah, mas nunca falou a respeito por ter vergonha/medo da fama que os boatos trouxeram. Até Clay entende que todos os episódios que Hannah relata não são normais e inocentes, embora os primeiros, isoladamente, não sejam significativos o suficiente para levá-la ao suicídio.

Então Hannah ganha um perseguidor. Alguém que ficava espiando pela sua janela, tirando fotos suas, que ela não sabia quem era até certo ponto e não tinha como impedir. Só ficava com medo o tempo todo, sendo observada. Mas isso é normal, né? Quem não tem um perseguidor na sua janela todos os dias? Ah é. Não é normal, me esqueci. Em geral, as pessoas têm medo de andar em uma rua escura com algo de valor, medo de serem assaltados, mas raramente um medo que dura literalmente vinte e quatro horas, te impede de dormir e está sempre à espreita. Não só isso, mas que afeta o único lugar onde ela se sentia segura: sua casa. Isso muda uma pessoa. Não é nada razoável. E, de novo, causado pelo boato.

Outro cara chama Hannah para sair no dia dos namorados, sem falar sério, sem que ela soubesse desse detalhe. Ela vai e, quando ele aparece, horas depois, se depara com o mesmo problema de antes. Ele tenta tocá-la sem a permissão dela, o que gera uma briga no restaurante e zero pessoas para ajuda-la. Que surpresa, não? Bom, eu não estou nem um pouco surpresa. Bem-vindos ao ditado “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”, nem mesmo que seja uma cena de assédio sexual em um restaurante, não é mesmo? Nem para separar os dois e evitar problemas.

A impotência de Hannah vem de ela não poder controlar o boato, a votação, os comentários, o tapa na bunda, o querido que espia sua janela e tudo o que se segue. Estou realmente encurtando todos os relatos. Passamos também por um furto de papeis com comentários positivos que eram costume em uma disciplina e por um oportunista que rouba um poema de Hannah e o publica, sem autorização. Hannah perde, ali, outro tipo de privacidade quando seu poema é comentado até por professores, sem que soubesse que eram dela, dizendo que suicídio é só uma forma de chamar atenção. Destroem seu outro refúgio íntimo. Todas as formas de escape já foram roubadas dela.

E o que se segue? Bom... Hannah foge de casa e vai para uma festa, com o objetivo de ver Clay, mesmo estando decidida sobre tirar sua própria vida. Nessa festa, fica bêbada e vai para um quarto com Clay. Nada acontece, mas ela não está bem e manda Clay embora. Ele vai. Então ela permanece no quarto, muito bêbada, e outro casal entra. Seu ex, que começou todo o problema, e sua amiga Jessica, aquela com quem brigou por causa da votação.

O que você faria? Hannah não consegue andar direito e fica escondida no armário. Depois que o casal briga e Jessica desmaia, Justin a deixa sozinha, inconformado, e é persuadido (nem sei se essa é uma boa palavra, porque precisou de um “relaxa, cara” apenas) por Bryce, babaca misógino notável durante o livro todo, a deixar que Bryce entrasse e estuprasse Jessica. Não interferiu, por medo ou por incapacidade mesmo. Não queria ser a próxima. Ela não foi a estuprada, mas novamente se sentiu impotente e culpada. Como todos sempre colocaram na cabeça dela, a culpa era sempre dela.

Assim que possível, Hannah tenta ir embora da festa e acaba indo com Jenny, uma garota que aparece antes na história, que estava bêbada. Álcool e direção é uma boa mistura pra um acidente, não? Pois é. Jenny bate em uma placa de pare. Sem problemas, não? Só destruiu o carro dela, mas nenhuma das duas se machucou. Seria assim se isso não causasse outro acidente. Entendam aqui que no Brasil as placas de pare não significam expressamente “pare”, e são um tanto quanto ignoradas, mas em outros países isso é bem diferente. Assim, sem o sinal, um idoso e um outro adolescente da escola deles acabam em um acidente e o jovem morre. Novamente, Hannah se culpa. Como fez o tempo todo, já que era isso que sempre a fizeram pensar. Ela era culpada por não ter impedido Jenny de dirigir, ou por não ter avisado às autoridades sobre a placa. No mesmo dia, Hannah esteve presente durante um estupro e um acidente que causou outro acidente, que levou a uma morte.

Ainda parece pouco? Parece frescura? Depois, quando Hannah já tinha desistido de tudo e todos, principalmente de si mesma, Bryce, aquele jovem estuprador, faz sexo com ela sem o consentimento dela, quando ela mostra claramente que não está bem, quase em transe. Hannah admite que não o impediu, embora não quisesse e não se interessasse por ele. Ela simplesmente ficou lá, sem fazer absolutamente nada. Era praticamente uma despedida ao que restara dela.

Enquanto gravava as fitas, Hannah decidiu que daria a mais alguém a chance de ajuda-la, quase como se quisesse testar a empatia humana. Ela foi ao escritório do Sr. Porter, o conselheiro da escola, com o gravador ligado, conversar sobre o que pretendia fazer. Queria que ele dissesse algo que a desse forças, mas ouviu que deveria deixar pra lá e seguir em frente. Simples assim. É só isso que ela tinha que fazer. Bom, foi o que ela fez... seguiu em frente. Só que com o plano de tirar a própria vida. Enquanto isso, ele sequer conseguiu agendar outra discussão. Como será que ele se sentiu quando a notícia chegou? Será que sentiu a mesma culpa que todos faziam Hannah sentir todos os dias?

E se fosse com você? Se alguém te contasse ou desse a entender que queria se matar? Você diria o mesmo? Por que tanta gente fala que é só você seguir em frente e esquecer o que aconteceu? Será que é tão difícil assim ter empatia e entender que não é “frescura”, não é “só levantar”? Se você não sabe o que fazer, apenas ofereça sua ajuda. Pergunte o que a pessoa precisa de você, o que você pode fazer. Ou simplesmente faça. Leve algo para comer, um filme pra assistir na cama, mostre que está lá. Que se importa. Quando alguém te procura para algo assim, é muito provável que a pessoa confie em você e te queira por perto.

"Os 13 Porquês" é uma história que aflige o leitor por ser tão próxima da realidade de todos. Todo mundo que já passou pela adolescência conhece, conheceu ou foi uma Hannah. Ajudou ou atrapalhou. O livro detalha muito do que passou e como se sentiu com tudo aquilo, que muita gente interpreta como simples brincadeira. Vale a pena uma leitura, releitura, análise e mudança de hábitos aos que se identificarem com algum dos personagens, inclusive Clay. Aguardo o filme. Às Hannahs do mundo: força.

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