Que Seja em Segredo, Ana Miranda




Este livro foi uma cortesia da editora L&PM

Uma das características mais interessantes da literatura é a de sobreviver aos momentos históricos em que certos temas eram tabu. Se em algum século era proibido falar da realeza, inúmeros textos com esse tema apareceram e foram conservados até a contemporaneidade. É o caso desta obra; a proibição deste tempo era a do sexo, a proibição dos atos libertinos, o que sem dúvida funciona como o melhor dos afrodisíacos.
Esta publicação da L&PM Pocket é uma rara oportunidade de conhecer um mundo que não nos é mais familiar, mas que tem uma produção literária vasta e profunda. Estou me referindo aos séculos XVII e XVIII. Muito se produziu neste período em matéria de devassidão, libertinagem, conquistas e desejos sexuais. A coletânea de poemas selecionada por Ana Miranda mostra essa realidade nos conventos brasileiros e portugueses, afinal, vocação religiosa não era a única razão para que uma mulher se tornasse freira.

É importante ressaltar logo que Que seja em Segredo não é um mero apanhado de poemas eróticos escrito por freiras ou para freiras, mas trata-se de um mergulho num período histórico em que mulheres podiam ser enviadas a força para conventos simplesmente por se mostrarem mais inteligentes que os homens com quem conviviam; muitas eram enviadas para a clausura por excesso de sensualidade, por ter perdido suas virgindades e muitas vezes para diminuir o fardo de um casamento custoso.

Os poemas que compõem essa belíssima obra retratam a vivência de algumas freiras que, sem problema algum, manifestavam suas mais variadas fantasias e vontades sexuais, o que já seria interessante por si só, mas a obra vai além, nos apresentando os casos amorosos de monjas e os poemas “depravados” escritos por “freiráticos”. Um freirático era um homem (em geral de alta posição social) que tinha, secretamente, desejo ou amor por freira. Algumas vezes, esse amor era uma idealização, ou um amor platônico, outras vezes era carnal e se consumava.

O sexo e a espiritualidade convivem de maneira enlaçada, os poemas erotizam o espírito e espiritualizam o corpo, trata-se de um jogo livre entre o mais mundano dos desejos e a mais elevada das espiritualidades, tudo isso expresso com a graça e o charme da poesia dos séculos XVII e XVIII. São poemas que narram o fogo e o ardor nos catres de celas frequentadas não só pela soror que oficialmente a ocupava, mas também pelo Espirito Santo, que assume forma de fogo abrasador e que divide a cama com frades da mesma ordem ou leigos, o que variava de acordo com o gosto da freira em questão.

Alguns poemas são verdadeiras pérolas que pretendem esconder o verdadeiro significado de sua mensagem, outros são claro como vidro novo. Este, de um leigo que deseja entrar a Ordem de São Tomás de Aquino, para conseguir consumar o ato com um freira:

Alto: vou-me meter frade
na ordem de frei Tomás
serei perpetuo lambaz
do ralo, da roda, e grade:
mamarei paternidade,
Deo gratias se me dará,
e apenas se me ouvirá
o estrondo do meu tamanco,
quando a freira sobre o banco
no ralo me aguardará.

Outro, ainda, com a narração da celebração de acolhimento de jovens freiras no convento. É interessante ressaltar que, longe das figuras de autoridade numa sociedade patriarcal, as freiras possuíam grande liberdade sexual e intelectual:

Meninas, pois é verdade,
não falando por brinquinhos,
que hoje aos vossos passarinhos *
se concede liberdade:
fazei-me nisto a vontade
de um passarinho me dar,
e não o deveis negar,
que espero não concedais,
pois é dia, em que deitais
passarinhos a voar.

(*passarinhos são uma referência velada ao órgão sexual feminino)

Vale a pena conferir a forma poética como foram narradas experiências sexuais das mais variadas e como era comum a existência de freiráticos, tendo como nome mais conhecido o rei Dom João V. São romances, envolvimentos e momentos de devassidão escritos com a mais bela letra.

Puta dum corno, dos diabos freira,
Eu me ausento, por mais não aturar-te;
Tu cá ficas, cá podes esfregar-te
Com quem melhor de apague essa coceira;
Encontre a editora L&PM através dos links Site Oficial Facebook Twitter

0 comentários:

Postar um comentário

 

BLOG HORRORSHOW - CRIADO E DESENVOLVIDO POR ARTHUR LINS - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS © 2015