Feliz Ano Velho, Marcelo Rubens Paiva




Sincero. Assim eu descreveria o livro, se dispusesse de apenas uma palavra. É um texto que não guarda muitos segredos, que não tenta ser genial, que não se preocupa com um rigor literário, que não tem a menor ambição de ser tão impactante quanto é ─ ou pelo menos não deixa transparecê-lo. E que é extraordinariamente sincero.

"Tinha que sofrer, tinha que estar só, tão só que até meu corpo me abandonara. Comigo só estavam um par de olhos, nariz, ouvido e boca.
Feliz Ano Velho, adeus, Ano Novo"

De repente, Marcelo Rubens Paiva está te contando sobre mais uma tarde na praia com os amigos, comum à sua juventude cheia de energia. Um mergulho de uma pedra, fazendo graça: "aí, Gregor, vou descobrir o tesouro que você escondeu aqui embaixo, seu milionário disfarçado". No ar, "a pose do Tio Patinhas". Na água (não tão funda quanto o previsto), a melodia: "BIIIIIIIN".

Deve ser desesperador ver sua vida mudar toda de uma hora para a outra, e tudo o que você pensava ou pretendia para o futuro ser simplesmente colocado em xeque. Marcelo ganhou sua paraplegia assim, num mergulho mal calculado. Não é fácil imaginar o que se passa na cabeça de alguém que encara isso, enfrenta semanas em uma UTI contando os oito parafusos da lâmpada todos os dias, sem movimentar nem sentir nada do pescoço pra baixo. Mas o impressionante é a forma como Marcelo lida com tudo isso.

Calma, isso não vai virar só mais um discurso sobre um livro que "oh, veja só que linda história de superação!". É inegável que ela seja, mas a forma como isso é exposto no livro e a forma como, de fato, o autor encarou essa situação digamos que... catastrófica, é o que torna Feliz Ano Velho merecedor de todos os elogios que tem recebido, desde sua publicação em 1982, quase três anos após o acidente.

Vou repetir: o livro é de uma sinceridade perturbadora. Parace que Marcelo está ali, do seu lado, trocando uma mera ideia sobre como foi sua vida. E, quando lhe dá vontade, divagando sobre vários outros aspectos que nada tem a ver com o acidente em si: seus ideais políticos, o sumiço providenciado pelos militares de seu pai Rubens Paiva, sua vida amorosa, experiências sexuais, seus desejos íntimos, seus muitos amigos e inúmeros momentos marcantes que passou ao lado deles em sua juventude à la anos 70.

Feliz Ano Velho não é só um relato de um acidente e de como ele foi superado. É um livro de confissões. Quase autobiográfico. Recheado de gírias e contado assim, casualmente. Temos um panorama de quem é o Marcelo e do que passa pela sua cabeça ─ como era antes do mergulho, como foi depois. Você poderia dizer: "ah, mas esse tipo de livro é enviesado, o cara conta o que quer". Acho que você não entendeu: é sincero.

A impressão que tenho é de chegar ao lado dele e lançar o clichê: "Ei, Marcelo, um doce pelos seus pensamentos". E, sem pensar duas vezes, ele te dá Feliz Ano Velho. Sem escolhas, você retribui com o doce. É tudo o que pode fazer.

"Não quero que as pessoas me encarem como um rapaz que apesar de tudo transmite muita força. Não sou modelo pra nada. Não sou herói, sou apenas vítima do destino, dentre milhões de destinos que nós não escolhemos. Aconteceu comigo. Injustamente, mas aconteceu. É foda, mas que jeito..."

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