Insônia, Stephen King



Cada coisa que faço, faço-a depressa para poder fazer mais outra

Comentar qualquer obra de Stephen King é sempre um desafio, muito mais em decorrência da quantidade de fãs empolgados que pelo conteúdo das obras elas mesmas. Insônia não foge à regra, e se torna ainda mais complexa na medida em que está intimamente relacionada com a Monalisa de King, sua superestimada Torre Negra. Existem referências, personagens comuns, fatos próximos, disputas similares e acima de tudo o bom, velho e forçosamente enigmático Rei Rubro. 

Insônia merece destaque por si só, os paralelos com a Torre Negra são interessantes, mas a relevância desta obra “solitária” de King se dá internamente, afinal, estamos falando de uma história que começa onde normalmente todas as histórias estão acabando. Nosso herói nesta trama é Ralph Roberts, um homem cansado, velho, levemente amargo e profundamente lastimoso pela morte recente de sua esposa. A personalidade de Ralph é envolvente, é fácil gostar do velho rabugento, pavio curto e moderadamente sábio. A cidadezinha no interior, onde vive, é o típico cenário tecido por King em várias de suas obras, nada fora do normal acontece, a cidade é repleta de outros velhos e aposentados e o Sr. Ralph no auge de seus setenta anos é só mais um na pequena e inofensiva cidade.

Insônia se diferencia do suspense convencional usando de mecanismos que garantiram a King o seu posto de “mestre do terror”: a fuga desesperada do lugar comum. Enquanto a maioria dos escritores constroem seus contos ou longas histórias com base em personagens jovens e cheios de vitalidade King vai desenvolver a sua narrativa na vida de um homem que começa a sentir graves crises de insônia inicialmente atribuídas ao trauma pela morte recente de sua esposa. 

Ralph é um Abraão às avessas, é alguém que se descobrirá numa missão de proporções apocalípticas mesmo tendo “passado da idade” para realizar feitos grandiosos. A insônia de Ralph é o que lhe possibilita conhecer algo chamado de hiper-realidade, onde passa a enxergar entre várias coisas, auras multicoloridas que se alteram de acordo com o humor ou saúde da pessoa a quem ela pertence. É claro que algo de mais tenebroso também compõe as visões de Ralph, logo ele começa a enxergar certos “personagens”, uns bons, outros não. Tudo isso vai ocorrendo hora de forma crescente, hora de forma simultânea, e no fim das contas Ralph é forçado a decidir se participará ou não de uma luta entre as forças do Desígnio e do Acaso, apresentados como polaridades misteriosas. 

A trama é bem elaborada, o que é o mínimo a se esperar de King. A narrativa é cheia de reflexões existenciais, o que já é menos comum, porém presente em algumas de suas obras. A qualidade dessas questões é que chama atenção, são questões como: livre arbítrio versus determinismo, defensa de causas e ideologias versus possibilidade de estar sendo manipulado, entre várias outras. 

No fim das contas, King acaba fazendo uma salada conceitual com o acaso e o desígnio, que de alguma forma deixa a narrativa ainda mais interessante. Não é uma obra para se decidir sobre como a existência funciona: de forma determinada ou acidental. É uma obra que tece um emaranhado de possibilidades que ganham luz através de um personagem cativante e que entrega ao leitor o novelo para ser desembaraçado. Eis o grande acerto de King, deixar a decisão para o leitor. “Tenha” Insônia e descubra a face arbitraria do destino acidental.

0 comentários:

Postar um comentário

 

BLOG HORRORSHOW - CRIADO E DESENVOLVIDO POR ARTHUR LINS - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS © 2015