A História Sem Fim, Michael Ende




Gosto muito de ler as crônicas do Rubem Alves; elas são deliciosas, mas isso não vem ao caso agora. A questão é que os textos do autor são repletos de referências musicais e literárias, estas geralmente regadas a João Guimarães Rosa, Cecília Meireles, Adélia Prado, Nietzsche, T. S. Eliot, entre outros vários nomes conhecidos. Eis que, na leitura da crônica Sopa de fubá, pão e vinho, Rubem menciona Michael Ende e seu livro A História Sem Fim. Fiquei curioso, e qualquer um que leia a crônica entenderá porquê: "um dos livros mais lindos que já li" já dá pro gasto, mas o restante da divagação também fascina. Consegui um exemplar e mergulhei no mundo de Fantasia. Foi algo maravilhoso.
"Fantasia é a história sem fim escrita num livro de capa cor-de-cobre que estava no sótão de um colégio. Agora, ele está na sua mão."

Um garoto chamado Bastian Balthazar Bux, típico gordinho que sofre humilhações no colégio e não faz lá muitos amigos, prefere se ocupar no mundo dos livros. O livro ao qual nos referimos aqui (A História Sem Fim) começa com o menino entrando numa livraria e trocando algumas palavras com o vendedor meio mal-humorado que ali se enfia no meio de estantes e mais estantes de livros velhos. Não preciso narrar a cena; o importante é que Bastian sai dali com um livro roubado. Leva-o para o sótão de sua escola e inicia sua leitura. O nome do livro roubado? A História Sem Fim. Pois é, já dá pra imaginar o embaraço que isso vai dar.

Logo que se abre o livro (e agora falo de nós, não de Bastian), percebe-se uma coisa muito peculiar: parte do livro é escrito em vermelho, parte em verde. Tudo bem, a edição que li é meio antiga, mas o interessante é ele ser escrito em duas cores. A parte em vermelho refere-se ao mundo "real" em que vive Bastian; é nessa cor que o livro começa, quando o garoto rouba o livro e começa a lê-lo. Quando Bastian começa a leitura, nós a acompanhamos ao lado dele. Nós e o protagonista lendo o mesmo livro. A História Sem Fim (o livro dentro do livro) é escrito em verde.

Daí pra frente mergulhamos no mundo de Fantasia. A cada avanço nessa fábula fantástica fiquei me perguntando de onde Michael Ende tirou ideias tão absurdas e encantadoras. Fantasia é um reino em que se encontra de tudo: seres inimagináveis, lugares sem conta, cenários e histórias que vão fundo na imaginação humana. Esse reino está em perigo, há um mal tomando conta dele e, basicamente, todos que lá vivem estão preocupados e procuram por uma solução.

Não vou ficar me prendendo à trama (até porque não quero que isso se torne uma resenha sem fim). O importante é que a simples leitura de A História Sem Fim ─ o livro dentro do livro ─ já seria bem interessante. Definiria como um cenário infantilizado, porém com uma profundidade incomum. Mas a coisa começa a ficar maluca mesmo quando, de uma maneira que vale a pena descobrir por conta própria, as duas histórias se fundem. O mundo de Bastian e o mundo de Fantasia, a parte em vermelho e a parte em verde, em um dado momento tornam-se uma só coisa; e aí o garoto gordinho que sofre humilhações no colégio de repente é um herói que tem o destino de Fantasia em suas mãos.

A sutileza da história é impressionante. Além de ter essa pegada que me lembrou O Mundo de Sofia ─ em que se entra num paradoxo de livro dentro de livro, mundo real e imaginário se misturando, você se perguntando se não é um personagem de uma história e esse tipo todo de nós-mentais ─, o que se narra em A História Sem Fim é repleto (re-ple-to) de "lições de moral" indiretas. Não sei precisar se são lições para crianças ou para o mais maduro dos homens.

Aliás, acho que o livro não se prende nem um pouco a essas limitações; eu o leria para meu filho de 4 anos antes de dormir, mas também o indicaria para meu avô de 90 se deliciar no mundo de Fantasia. Ou então para meus amigos pensarem um pouco sobre como o poder e a autoridade podem ser devastadoras, algo que não muda muito de um mundo fictício para o mundo em que vivemos (este, menos belo e mais devastado).

Juro que não sei como o autor alemão conseguiu colocar em 390 páginas essa história sem tamanho. Talvez seja essa a magia da literatura: arquitetar mundos que extrapolam em muito a singela sucessão de linhas escritas em uma folha de papel. Leitura terminada, agora entendo porque A História Sem Fim tomou de Rubem Alves palavras tão carinhosas.

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