A Mulher Silenciosa, A.S.A Harrison


''Outros casais são barulhentos, vocais, interminentes quando estão tentando resolver seus problemas, mas com eles tudo é dissimulado.''

Sabe quando você está apenas dando uma olhada nas estantes de uma livraria, aquele dia que não pretende comprar nada, mas o vendedor te olha tanto que você se sente na obrigação de sair dali com uma sacola na mão e pega o primeiro livro que vê em sua frente? Assim adquiri ''A mulher silenciosa", mas sua sinopse e capa já haviam despertado minha atenção. Quase um ano depois, realmente o li e, ainda bem, valeu cada centavo.

Jodi é uma mulher realizada. Possui uma relação estável com Todd, o homem que mais amou em sua vida, atende apenas dois clientes por dia em seu elegante escritório psicológico e sua única preocupação diária é decidir o que fazer para o jantar. Todd não pode reclamar de Jodi, onde mais um homem encontraria uma mulher que sabe de suas constantes puladas de cerca e não faz nada para mudar seus hábitos? A rotina do casal é resumida durante os jantares bem preparados, mecânicos e cada um absorto em seus próprios pensamentos.


Tudo vai bem, até que Todd se envolve em um caso mais que ocasional com uma estudante universitária e, não por acaso, filha de seu melhor amigo de infância. Para completar sua humilhação, Jodi é incapaz de ter filhos, diferente de Natasha que, provavelmente planejado, logo fica grávida e exige se casar com Todd. Tudo segue as fachadas criadas pelo ego do casal, nada está acontecendo desde que não se toque no assunto abertamente. Natasha está no auge de sua juventude e pressiona Todd até ele, enfim, sair de casa. Com precisão, as coisas passam a se encaminhar para o divórcio e logo os cartões de Jodi são cortados e um aviso de despejo chega à sua porta. Acuada, ela procura uma advogada e leva um duro golpe: ela nunca oficializou sua situação conjugal com Todd, apenas moravam juntos, e mesmo que tenham dividido o mesmo teto por mais de vinte anos, ela não tem direito a nada que ele possui. Indisposta a perder tudo o que tem, ela precisa fazer algo antes do casamento de seu ex para que ele não mude o testamento. A única solução é se tornar uma assassina.

Narrado em terceira pessoa com alterações mostrando as perspectivas de Jodi e Todd, o único romance de Harrison merece seu lugar na estante de qualquer um que goste de um bom thiller. A dúvida aqui não é ''quem matou'' e sim ''por que'' matar Todd. Todas as nuances dos personagem são desemboladas através de linhas bem trabalhadas, frases curtas cortam motivações e esclarecem a psique de cada um desafiadoramente, criando uma atmosfera de estranheza sobre o leitor. Você consegue compreender o motivo de Jodi se cobrir com a frieza que cultivou desde que se entende por gente. E também simpatiza-se com Todd, o menino que não tinha atenção de ninguém, aprendeu a se virar para ajudar a mãe e acabou se tornando um adúltero incurável. A escrita de Harrison é singular, mas passa ela certa compaixão por seus personagens, como se ela intervisse como advogada por eles, perturbando o leitor pelas rápidas páginas e detalhando os momentos de tensão silenciosa entre eles.

Na parte interna do livro há várias comparações críticas relacionadas a ''Garota Exemplar'', já que ambos falam sobre mulheres que decidem se vingar de seus maridos, cada uma com sua motivação. Tendo lido os dois com um bom intervalo de tempo, tenho para mim que é uma comparação boba. Enquanto Amy, vilã de Garota Exemplar, é manipuladora, psicopata e terrivelmente vingativa, Jodi é só uma mulher que precisou sobreviver e decidiu manter sua vida luxuosa, mas sem obter prazer e colocar maldade com requinte nisso. E, verdade seja dita, o final de ''A mulher silenciosa'' quebra todas as aparências e conclusões que o leitor forma sobre ela. Os dois livros são bem escritos e sensacionais. Cada um tem seu lugar, mas as histórias não se misturam e não se parecem.

O único ponto que não gostei foram as sessões de análise de Jodi com seu antigo psicólogo, apresentadas em entrevistas e flashback. Mesmo tendo achado essa parte arrastada e chata, ela serviu de gancho para duas importantes histórias sobre o passado de Jodi e nos explicou qual a razão de ela ser tão fria e racional, sem nenhum rompante emotivo.
Obscuro como seu título, ''A mulher silenciosa'' ocupa a mente e merece ser lido de uma só vez, absorvendo suas cenas meticulosas e admirando um thriller alucinante.
''Não preciso encarar a realidade quando há uma maneira mais suave e gentil de conviver com ela. Não há nenhuma necessidade dessa sombria urgência.''

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