Precisamos Falar Sobre Kevin, Lionel Shriver






"Quando a gente monta um show, não atira na plateia."

Diferente da frase acima, o best seller de Lionel é uma sequência perturbadora de tiros no leitor. Bala após bala cravando no cérebro com precisão e maldade sem iguais. Apesar do título, Kevin é um mero coadjuvante na história e sua chacina poderia passar despercebida em meio aos pensamentos de sua mãe. Eva e Franklin formavam um casal feliz, antes de terem sua vida invadida por um bebê não tão desejado assim. O que antes prometia ser um prêmio para o casamento, torna-se um pesadelo já no leito do hospital, quando a rixa entre mãe e filho tem início. Ou já teria ela tido um começo ainda no útero?

Mais do que um livro sobre um adolescente problemático que mata doze pessoas (incluindo seu pai e sua irmã), "Precisamos falar sobre o Kevin" é uma trágica narrativa de amor. O li pela primeira vez há alguns anos atrás; odiei Eva e mais ainda Kevin. Lendo hoje, tempos depois e com uma mente diferente, sinto pena dos dois. Kevin cresceu com certa indiferença de sua mãe, mas não por ela ter desistido de uma aproximação. Desde pequeno ele mantém uma alta rejeição por ela. Eva não pode ser diagnosticada com depressão pós-parto, pois ela ama seu filho, só não se interessa o suficiente para sacrificar tudo para manter uma boa relação.

Com altos e baixos, a narrativa de Lionel nos apresenta cartas de Eva enviadas a seu ex-marido. Nelas, a mulher, que vive reclusa e deprimida após a "quinta-feira", relata desde quando a decisão de ter um filho começa a tomar forma até o ponto em que Kevin lhe (e nos) surpreende com um presente de amor na prisão onde está confinado há dois anos. Fatos vão sendo expostos para demonstrar quão perversa é a mente de Kevin, como ele maquinava todas as suas "infantis" maldades com olhar clínico e nada indefeso. Ele sempre tem uma carta na manga, em uma resposta ou no olhar sempre nublado e entediado. Passando pela adolescência vemos como Eva esquiva-se de tudo em relação a manter-se longe do filho. Com pateticidade, ela procura estar perto do filho, mas o nascimento de Celia, sua segunda filha, joga qualquer possibilidade de carinho de Kevin para o chão.

Com perfeição, Kevin mantém-se sob o holofote da casa, fazendo-se de bom e cordial em alguns momentos, mas deixando a porta entreaberta para que sua mãe possa ouvi-lo em sua intimidade juvenil. Todos os movimentos são calculados. Todos em sua volta precisam estar sob controle. Todo o seu teatro precisa ser observado. Assim como todo socio/psicopata, ele precisa de uma plateia, pois não há glória onde não há reconhecimento.

Uma das coisas que mais me agradam é a dissimulação dos personagens. Eva sabe o tempo todo de tudo, mas tem as mãos atadas por Franklyn, que acredita na inocência do filho para todos os seus delitos. Nem Celia escapa ao cinismo quando tem que colocar sua meiguice de lado ao ter um dos olhos destruído por seu querido irmão.

Sentenciei no inicio desta análise que esta história é sobre amor, acima de tudo. Agora explico: Kevin e Eva estão interligados por um ódio mútuo e ressentido, mas não por simplesmente não irem com a cara um do outro. Eles se amam; só não conseguem demonstrar esse amor, como duas crianças eles se acariciam com birra. A cada momento querem demonstrar qual é o mais forte, quem é o mais frio e, nesse conflito psicológico de cada um deles, vão enterrando um amor subjugado. Eles se veem como mãe e filho, mas não precisam se abraçar o dia todo ou dizer "eu te amo". Suas armas são as palavras e a atenção voltada para seus mundos individuais. O final é arrebatador, os últimos capítulos são reveladores e as nuances de cada um são desvendadas. O cansaço de Eva chega até nós e uma simpatia fora do normal nos domina.

A pergunta central em tudo é "Por quê?". Por que Eva não demonstrou mais carinho por Kevin? Por que Franklin é tão obcecado com a inocência de Kevin? Por que criaram Kevin deste jeito? Por que Kevin fez isso? E nada tem uma resposta, pois o que responde é a escolha de cada um. Eva poderia ter dado mais carinho a Kevin, mas por algum motivo não quis e todas as outras perguntas findam na mesma resposta: eles quiseram assim.

Kevin é um dos melhores personagens com os quais já me deparei. Desde criança sua mente já maquinava aquilo que o levaria para as manchetes: ele queria ser visto, queria ser assunto de alguém. E virou, não apenas para seus pais, porque todos falamos sobre o Kevin. Todos temos um Kevin ao nosso redor. Sempre há alguém querendo ser noticia, seja com uma roupa escandalosa ou com uma flechada em um alvo. Nós queremos ser ALGUÉM. Queremos ser reconhecidos por algum motivo, algum feito. E era tudo o que o Kevin queria. Não há mistérios nisso. Ele quis matar. Cada um faz o que quer com os seus "porquês", mas pessoas são afetadas com eles e temos consciência disso.

Enfim, "Precisamos falar sobre o Kevin" é um mar de oscilações, poderia falar e falar sobre e nunca chegaria em um único ponto, existem várias margens para seu entendimento e este é o charme desse grande romance.

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