Planeta Fantástico, de René Laloux


"Alegam que os ancestrais dos Oms no antigo planeta Terra eram bastante inteligentes. Como destruíram toda sua população, duvido que estejam certos."

Muito antes de Matrix dos irmãos Wachowski, surgia em 1973 uma peculiar animação que, envolvida pelo clima psicodélico remanescente do final dos 60, trouxe uma distopia cujo estilo único, enredo alegórico e filosofia fascinam até hoje. Como no conhecido universo de Matrix, “Planeta Fantástico” traz uma abordagem interessante sobre a sociedade humana em um contexto de subordinação à uma “raça superior”. Na animação, os Oms (o equivalente humano) são domesticados pelos Traags, uma raça alienígena humanoide que existe há mais tempo que os Oms e possuem uma expectativa de vida muito superior. Os Oms vivem no limiar entre animal de estimação e praga, cuja parte de sua população é periodicamente dizimada.

Logo na cena inicial, um grupo de crianças Traags brincam com uma Om fêmea e sua cria, que estão numa espécie de playground, tal como uma casa de bonecas, onde são incitados e atordoados pelas crianças. A Om mãe acaba morrendo e seu bebê é adotado como animal de estimação por Tiva, uma das crianças Traags. E, a partir daí, somos apresentados a um universo completamente novo e bizarro. “Planeta Fantástico” mostra-se uma proeza técnica, artística e conceitual. A fotografia da animação não poupa cenas abertas e abrangentes onde são mostrados a fauna, a flora e a cultura do mundo dos Traags. Intencionalmente, o filme não se mostra apenas em função do enredo, mas também em função de seu conceito.

Os Traags possuem uma cultura voltada para a prática da meditação, revelando uma profunda inteligência e conexão com seu próprio planeta. O sistema de ensino dos Traags funciona a partir de um dispositivo eletrônico que envia os dados diretamente para a mente. Sem querer, Terr, o Om adotado por Tiva, também recebe as informações do dispositivo em sua mente quando sua dona está estudando. E isso faz emergir e aguçar a inteligência do Om, até que um dia decide fugir, levando consigo o dispositivo. Após sua fuga, Terr é acolhido por uma tribo de Oms “selvagens”, que também acaba usufruindo do dispositivo de ensino. A inteligência humana acaba sofrendo uma renovação, onde o conhecimento adquirido sobre o mundo alienígena muda o curso da história dos Oms. Em “Planeta Selvagem”, somos guiados em uma redescoberta da humanidade pela própria raça humana, culminando numa tentativa de emancipação da subordinação ao qual os Oms eram inseridos, em um contexto completamente surreal, mas, por outro lado, completamente palpável.

Com uma técnica de animação crua, “Planeta Fantástico” adquire, também, um status artístico. O mundo dos Traags parece ter saído de uma grande viagem lisérgica, cuja representação saiu-se muito bem em formato de animação, ainda sob uma trilha tensa de rock progressivo, fomentando ainda mais a experiência. Em uma época onde o misticismo e a exploração do universo estavam em alta, a população humana sofria uma crise de pânico onde seres alienígenas perversos poderiam chegar a qualquer momento e nos transformar em prisioneiros, mas, por outro lado, a forte curiosidade em saber sobre raízes da existência humana alimentavam nossas explorações universo adentro. Como em Matrix, é nos tirado o posto de raça dominante, nosso ego geocêntrico é jogado fora na imensidão do espaço, restando apenas a frágil natureza humana em si. E, como numa eterna epopeia, tentamos recuperar nossa humanidade de volta a qualquer custo.

0 comentários:

Postar um comentário

 

BLOG HORRORSHOW - CRIADO E DESENVOLVIDO POR ARTHUR LINS - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS © 2015