Irmãos Karamazóv, de Fiódor Dostoiévski




“Irmãos Karamazóv” é geralmente considerado um dos melhores livros já escritos por meros mortais, e, na minha humilde opinião, merece todos os louros que recebe. É um primor literário quase grande demais para qualquer descrição. Num embate hipotético entre os autores russos, famosos por serem prolíficos e profundos, há quem prefira Dostoievski por pensa-lo de leitura mais fácil, com personas mais relacionáveis – algumas mais incidentalmente loucas que outras –, todas mergulhadas nos maravilhosos melodramas criados por este autor que, com “Irmãos Karamazov”, pretendia iniciar uma série sobre a família que dá título à obra, mas faleceu antes levar sua intenção a cabo. Prejuízo para a literatura mundial.

Como acontece com muitos clássicos mais antigos, este livro pode parecer um pouco entediante e prolixo para os padrões atuais. Histórias mais recentes tendem a focar na ação desenfreada e precipitam-se, instigando o leitor a querer saber imediatamente o que se passará com esta ou aquela personagem. “Irmãos Karamazóv”, por sua vez, utiliza um passo mais cadenciado, com aprofundamentos dignos de estudos científicos vibrantes. Sim, você precisará de paciência. 

A narrativa de Dostoiévski pode ser irregular em suas estruturas amplas e voltas repentinas, que transbordam de uma das equações mais comuns em seus romances: a redenção através do sofrimento. Fiódor tem o talento de escrever muito mais do que se aparenta à primeira vista, induzindo o leitor a pensar e fazer conexões muito tempo depois de terminar a degustação de suas obras – característica de um clássico e de um autor genial. “Irmãos Karamazóv” é um mergulho na teologia, tendo como tema geral a fé, o amor. Mas vai muito além disso. 

O núcleo do romance pode ser encontrado no capítulo-conto “Grande Inquisidor”, narrado por um dos protagonistas, onde Cristo revisita a Terra e é, ele mesmo, sujeito à perseguição e prisão pelos padres que acreditam ser os guardiões da sua mensagem. Eis que a necessidade do homem para com a religião e a perversão da sua essência são revelados. “Irmãos Karamazóv”, mostra sua faceta de buscas espirituais e da noção de pecado, tendo como expoente o caráter místico e a explicação das falhas e da redenção, estas, transmitidas esclarecedora e profundamente.

Mas, oh! Não se engane, leitor, com a temática espiritual e amorosa, este é um conto de parricídio e incesto, que explora maravilhosamente uma das questões quintessenciais da natureza: o que é virtude? Ela é possível na ausência da noção de deus e duma alma humana imortal? Isso é o que Dostoiévski investiga através dos esforços dos três irmãos do título; Dmitry, o soldado sensual e apaixonado, Ivan, o ateu intelectual, e Alexey, o jovem místico. À medida que o romance avança, a dúvida em relação ao envolvimento deles, direta ou indiretamente, no assassinato de Fyodor Karamazov, seu pai, fica emaranhado com os dilemas espirituais dos protagonistas. 

Descobrimos, então, que na verdade não são três, mas quatro irmãos Karamazóv, ampliando ainda mais a possibilidade de culpa. Dostoiévski parece usa-los como símbolos de vários aspectos de nossa psique e dos diferentes caminhos que podemos escolher para chegarmos a algum entendimento de nós mesmos e de nosso (suposto) criador. 

Por exemplo, os instintos descontrolados de Dmitry, o mais velho, representam a parte mais vil de nossas personalidades. Ivan, por meio da educação, da sabedoria e da aplicação racional de suas faculdades mentais, representa aqueles que preferem devorar uma versão da verdade, onde o divino não encontra lugar, exceto como uma invenção humana necessária. E, finalmente, o herói Alexey, espiritualista que experimenta uma forma de devoção religiosa e é iluminado pelo amor e compaixão para com todos e possui uma ingenuidade cativante, quase infantil. O quarto filho, o ilegítimo Smerdyakov, teve como mãe uma menina retardada e sem-teto que morreu no parto. Apenas isso já nos dá uma ideia bastante acurada do caráter de Karamazóv sênior. 

É da natureza sombria dos irmãos, dos confins de sua malícia, que vem a conta do assassinato, representando, talvez, os recessos mais temíveis e misteriosos de nosso ser. 

Na introdução de “Notas do Subterrâneo” (recomendadíssimo), Dostoiévski diz que os censores da época permitiram que ele abusasse em totalidade da sociedade russa, mas quando lhes foi apresentada a ideia da necessidade da religião na alma humana, o corte foi imediato. O motivo da reprimenda é obscuro, mas em uma comunidade ortodoxa, é possível compreender que personagens que demonstram como é especulativa a espiritualidade sofressem admoestações, mesmo apenas existindo no papel.

“Irmãos Karamazóv” é um romance de difícil digestão, admito. É perturbador e insolente, simultaneamente expondo nuas nossas fragilidade. Através da intensidade de Dostoiévski, comprova-se que a linha entre a arte e a vida real é tênue e constantemente trespassada por incautos que, mal percebem em seus sussurros, são e inspiram a criatividade humana a seu pico. Sim! A variedade polissilábica de nomes e apelidos (eles são muitos!) pode pegar um leitor desatento de surpresa, e as discussões filosóficas são capazes de nos deixar com dor de cabeça, mas tudo vale a pena, pois ao final não restam dúvidas de que o narrador, Constantine Gregory, fez um excelente trabalho ao contar a história.


P.S.: As cenas do julgamento merecem ser lidas, relidas e lidas mais uma vez: exemplos claros de genialidade literária.

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