O Vermelho e o Negro, Sthendal



"Serei famoso por volta de 1880," disse Marie Henri Beyle para a posteridade, por volta do início do século 19, com a certeza de que os críticos intrometidos picariam seus diários particulares em pedacinhos. "Eu não saí de moda, nem a minha glória sairá de moda."

O autor, mais conhecido como Stendhal, ficou nas sombras do sucesso por mais de uma década. O primeiro de seus muitos “retornos” começou, aproximadamente, em 1860, quando, estimulado pelos escritores cujas audiências ajudou a criar, saiu do ostracismo. O primeiro foi Balzac, que, exultando sobre um dos dois grandes romances de Stendhal – “A Cartuxa de Parma” –, escreveu: "Se Maquiavel tivesse escrito um romance, seria este". Em seguida, Zola, que proclamou Sthendal "o pai de todos nós" (uma homenagem ímpar para um homem que nunca se casou). Apenas Victor Hugo, sem pensar que um dia Walt Disney iria transformar sua mais famosa criação em um desenho animado, escreveu "Stendhal não pode durar."

Mas Victor Hugo estava errado. Sthendal durou. E perdurou à prova do tempo.

Em “O Vermelho e o Negro”, as cores no título enigmático podem se referir à roleta russa das intrigas, a paixão e as vestes negras do clero, a bandeira vermelha da guerra e a negra da anarquia, ou a qualquer dúzia de outros símbolos possíveis.

Admirador de Napoleão, o protagonista, Julien Sorel, é um cirurgião do exército aposentado e pupilo do pároco local. Ele passa por uma ascensão meteórica e uma queda tão rápida quanto; uma carreira que Sthendal utiliza para satirizar a sociedade francesa, da pequena burguesia à aristocracia e ao clero, investigando a psicologia do amor e da honra.

Julien torna-se tutor dos filhos do prefeito de uma pequena cidade nos Alpes Franceses; no decorrer da trama, ele aprende a negociar as rivalidades sociais e políticas, sobrepondo-se a seus oponentes e usando com maestria outros dignitários obcecados por seus status – tudo isso enquanto se envolve num caso amoroso com a mulher do prefeito, Madame de Renal. 

A história avança, a inquietude de Sorel com a vida bucólica e pacata atinge seu pico, e ele vai para Paris. Torna-se secretário particular de um nobre e tem que aprender mais uma seara de maneirismos para convenções sociais, integrando-se completamente ao círculo de puxa-sacos aristocratas. Novamente, em meio a intrigas políticas, começa a ter um caso com a filha de seu patrão, Mathilde. Como se não bastasse, numa das reviravoltas da trama, Julien é preso, e arrasta na lama sua reputação e a de suas amantes. 

Esses dois amores são fundamentais para “O Vermelho e o Negro”. O drama figura intensamente – escalando para clímax excelentes –, mas o verdadeiro apelo está na psique dos amantes e nas ironias teatrais em seus posicionamentos nos muitos eventos da história. Madame de Renal e Mathilde são partes intrínsecas no jogo do amor, não meros objetos de atração do protagonista. Sthendal, aí, mostra sua grandiosidade ao investigar os pensamentos e sentimentos das duas mulheres. Personagens femininas menores, como a serva de Madame de Renal, a garçonete e até mesmo a mãe de Mathilde, também são apresentadas de forma deveras positiva. Aliás, a atitude de Sthendal na representação das mulheres é uma das razões que tornam “O Vermelho e o Negro” acessível a atraente aos leitores modernos. Sua trama tem muitas estranhezas e sua estrutura está longe de satisfazer formalmente a quem gosta de ler clássicos com temáticas mais tradicionais, mas “O Vermelho e o Negro” oferece fácil leitura e um bom entretenimento, com uma história animada e personagens memoráveis.

Sthendhal forjou seu estilo em reação direta ao Romantismo hiperbólico. Sua sensibilidade extrema, autenticidade e espontaneidade criaram uma marca singular, temperada com uma franqueza que se aproxima do imediatismo da linguagem falada. A narrativa stendhaliana é seca, concisa, e tem uma cadência irregular em sua rapidez. Apesar de estar tão longe da prosa laboriosamente forjada de Flaubert a partir da hipérbole dos românticos, o estilo de Stendhal é realista em um sentido mais amplo do termo, em que comunica uma impressão direta da vida a ser vivida no momento presente.

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