Beleza Americana, Sam Mendes



"Olhe bem de perto" é o slogan do filme de estréia de Sam Mendes na direção, mas "Beleza Americana" é um filme que deve ser assistido bem de longe, de modo cru e imparcial, ou então nos afogamos junto com os dramas dos inesquecíveis personagens. Cada detalhe no filme, por mais irrelevante que possa parecer, é crucial e emotivo, até mesmo uma sacola voando sem destino pelo vento, que a meu ver é a síntese de todos os personagens: eles deixam a vida guiá-los.

Lester e Carolyn Burnham formam o casal protagonista, que é visto (ou apresentado) como feliz e apaixonado por ondem passam, mas a realidade é miseravelmente oposta, pois eles já não se suportam, não se amam e querem se ver livre um do outro, principalmente na cama. Jane, a filha do casal, mostra-se indiferente aos moldes da "perfeita adolescente americana", seja em seus pensamentos ou estilo de roupa. Jane odeia seu pai, criando já na primeira cena um momento chocante para o telespectador. A partir do momento que Lester conhece Angela, a melhor amiga de sua filha, ele passa a sentir tesão pela vida outra vez e toma uma atitude radical: ele larga o emprego, resolve ganhar músculos e resolve dar um novo rumo na sua vida sem graça, criando um caos em todos que convivem com sua presença.



Como em Lolita, de Nabokov, Angela assume o papel uma moça jovem, sensual, com requintes de "bad girl" e dona de si. Porém, lembre-se: nem tudo é o que parece ser. E é esse o pilar de "Beleza Americana", onde a "beleza" vendida pode ser, na verdade, feia e vulgar, mas, por ser vista como tal (ou seja, como um padrão a ser seguido), é motivo de orgulho e obsessão. Todos querem o sonho americano, ou melhor, todos querem ser o sonho americano. A obsessão criada pela indústria da "vida perfeita" tem como consequência, senão, a criação de uma vida aquém daquela idealizada. Uma vida triste, infeliz e vazia.

Antes de tudo, "Beleza Americana" exala sensualidade, da capa aos créditos iniciais, passando pela trilha sonora, diálogos e, claro, uma maravilhosa banheira de rosas. Mas o sexo não é seu tema principal, ele é o antagonista de todas as relações desmascaradas ao longo de suas duas horas. Seja em um casamento em que a masturbação torna-se a principal relação "afetiva", ou na insegurança de uma adolescente que precisa sentir-se desejada, ou em um homossexual reprimido, que, como na psicologia Freudiana, acaba por se tornar um indivíduo odioso em relação àquilo que tanto deseja secretamente. O sexo resume o fracasso de cada um deles, leva-os para o fundo do poço e nos mostra quão frágil é o castelo de cartas que cada um criou para apresentar à sociedade.



Todos os sonhos de perfeição americana são desconstruídos no roteiro. Ninguém é perfeito, ninguém é cem por cento herói, assim como ninguém consegue suportar uma máscara vinte e quatro horas por dia. A hipocrisia de se achar o dono de uma família apenas por provê-la sustenta uma das mais saborosas tramas, em que o machismo grita e aponta armas em todas as direções apenas para que, no fim, saiam flores na boca do revólver num provocativo desfecho em meio à chuva.

O filme é de 1999, arrebatou toda a crítica americana e levou pra casa 5 prêmios Oscar, incluindo "Melhor Filme do Ano". Beleza Americana nos prende na cadeira e nos revela toda a sua beleza oculta em cenas clássicas, excitantes e, acima de tudo, cruéis. Onde a real beleza se mostra escondida em máscaras construídas sob o sonho americano da vida perfeita, do ser humano perfeito, quando, na verdade, a própria individualidade imperfeita se recusa a ser mais um mero outdoor, obrigando a máscara cair mais cedo ou mais tarde. Este é um filme frio, sombrio, sensual, romântico, psicológico, epifânico, inteligente e nos mostra uma verdadeira odisseia sobre a morte e vida das máscaras da sociedade "perfeita" americana. Aproxime-se, veja bem de perto, mas mantenha sua consciência distante.

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